segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Shadows of Temptation









É estranho como você se apega a certas coisas e depois de um tempo elas parecem vivas, reais. Assim é com minha banda, Shadows of Temptation (Sombras da tentação), ou SoT, como costumávamos chamar. Talvez pelo fato da banda ter muito de mim, a impressão que tenho é de ter perdido um filho. 


Lembro que eu ficava super estressado, porque sempre dois dias antes do show eu tinha que escrever a partitura/tablatura do baixo, das guitarras e do teclado e mandar pra todo mundo. A galera pegava a música e tocávamos no dia seguinte. Mas a interação entre a banda era tão intensa que era como se tocássemos aquela música há anos.


Assim foi quando tocamos Cry for the moon, do Epica. Eu escrevi tudo rapidinho, mudei uma coisa aqui outra ali, mandei pra galera e ensaiamos uma vez pra tocar em um show no outro dia. O meu perfeccionismo dizia que era suicídio, afinal era uma música complexa, cheia de mudanças e um coro que a banda original não faz nos shows, mas eu realmente queria saber como funcionaria isso ao vivo. E foi lindo. Perfeito.


A banda durou pouco tempo, tivemos um monte de altos e baixos. Os baixos aconteciam quando tocávamos em motoclube. Não consigo lembrar de uma apresentação em motoclube que tenha sido boa, até porque o tecladista nunca podia aparecer nessas apresentações.



Bom, direto ao assunto. Não quero ficar falando muito disso. A banda acabou. Ironicamente, O Shadows of Temptation acabou por uma mistura de tentação e egoísmo. E assim eu perdi uma das coisas mais importantes da minha vida. Uma coisa ao qual eu dedicava um amor paterno e este retribuía com um orgulho que só um filho pode dar.


Então em um dos meus momentos de “menina e seu diário”, não lembro como vieram as palavras ,mas escrevi como se tivesse velando alguém. O texto segue abaixo:


“Talvez exista um lugar reservado na minha mente somente para a música. Talvez a música seja a mulher da minha vida. E isso não me parece uma metáfora, é real. Sinto como se pudesse falar com ela. Mas não considero isso estranho. É mais do que isso, é loucura.


Ainda que eu ficasse surdo, poderia vê-la. Como era com Beethoven. E, assim como os monges que pintam areia e deixam o vento soprar, não me interesso em mostrar o que faço ou o que sei.


Música é algo imaculado que existe por si só, só para compor a perfeição e mostrar que pertence ao mundo.


Eu sentia-me assim. Mas agora isso acabou. Eram nesses raros momentos, em que tudo no mundo se esvaía. Qualquer preocupação se dissipava por causa de um simples intervalo de terça maior executados por aquelas doze cordas. Aquela nota grave, ou a agressividade dos bumbos... Eram momentos únicos em que nada mais importava. Eu tive um sonho que da minha alma nasceu, mas pelas sombras da tentação foi engolido.


Depois disso me envolvi em outros projetos. Aliás, todos se envolveram em projetos separados. Mas pelo menos pra mim, nenhuma outra banda deu essa satisfação, esse prazer de tocar. Nada nunca substituiu.



O SoT foi uma parte importante da minha vida. Me ensinou muita coisa. E sou imensamente feliz por ter tocado com músicos tão competentes como eram os integrantes do Shadows. Alguns, amigos de infância e que levarei por toda a vida, outros, amigos que infelizmente só estarão presentes no meu coração deixando uma enorme saudade.


A banda certamente voltará, com novos integrantes e um monte de coisas novas, mas aquele clima de amizade pode nunca ser o mesmo.  

domingo, 15 de novembro de 2009

Homenagem Póstuma: Octávio A. C. Antunes


Bom, hoje na UFRJ, mais precisamente no Centro de Tecnologia (ou CT) houve uma homenagem ao Prof. Octavio Augusto Ceva Antunes, ele era um dos passageiros do vôo AF 447, da Air France, desaparecido depois de decolar no Rio, rumo a Paris. Amigos, alunos e parentes prestavam suas homenagens. Todos ali conheciam e admiravam o Octávio. Eu só ouvi seu nome após seu falecimento e, por isso, algumas pessoas podem estranhar essa minha homenagem a ele, mas até o final desse texto vocês entenderão.

Gostaria de começar ligando certos pontos. Como as coisas começaram...

Segunda-feira, 01 de Junho de 2009, Ao ligar a TV assisto a uma repórter da Globo anunciar a queda do vôo 447 da Air france. Até então não sabia o real impacto daquela notícia na minha vida. Só pude pensar na situação dos parentes dos passageiros daquele vôo. Ainda assim, a notícia parecia nada ter a ver comigo.


Ao chegar na faculdade, minha professora de química farmacêutica com os olhos vermelhos conta a todos na sala que um professor seu estava no tal vôo. “Que estranho” – pensei. “Uma aluna chorar a perda de um antigo professor, deve ter sido, no mínimo, um excelente professor”.

Dias depois vagando pelo site do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro (CRF-RJ) me deparo com a notícia na página principal do site: “Avisos importantes; Nota de pesar”. Então li o texto:
“[...] O professor Octávio Augusto Ceva Antunes, do Instituto de Química da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), também estava no vôo AF 447, da Air France, desaparecido na noite de domingo depois de decolar no Rio, rumo a Paris. Ele viajava para participar de uma palestra.

Professor titular da cadeira de química da UFRJ desde 2005, Antunes é farmacêutico pela UFF (Universidade Federal Fluminense), possui mestrado e doutorado, além de pós-doutorado em Organometálicos na Universidade de Paris VI.

Antunes tem mais de 200 artigos publicados em periódicos especializados, cinco capítulos de livros e um livro. Também possui 23 pedidos de patentes. Foi consultor da Organização Mundial de Saúde (Genebra) em produção de fármacos anti-HIV e professor visitante na Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo (junho de 2008). [...]”

Deparando-me com aquele resumo curricular pensei “Quando crescer, quero ser igual a esse cara”. E logo questionei-me se era aquele o Professor qual minha professora se referia. Cheguei na faculdade contando a alguns amigos sobre aquele pequeno currículo que havia lido e como aquela parecia ser pra mim um grande perda pro mundo científico.

Entristeci-me por não ter conhecido aquela mente, mas esse era o único lado de Octávio que eu conhecia, o currículo.

Tempos depois fui à UFRJ procurar por um estágio de iniciação científica, lá conheci a coordenadora de Pós-graduação do curso de farmácia, Drª. Gisela Dellamora. Gisela é uma daquelas pessoas que te fazem sentir-se em casa. Em algumas de nossas poucas conversas notei que toda vez que ela citava o nome de Octávio sua voz ficava trêmula como quem fosse chorar, ela parava e respirava fundo. “Nossa! Que efeito teve esse senhor nessas pessoas” – pensei.

Dias depois Gisela me apresenta ao Prof. Rodrigo Souza. Rodrigo é um jovem doutor que assumiu os projetos de Octávio. Iniciando no estágio, eu trabalharia em um desses projetos, inibidores da HIV - protease. É difícil dizer o quão feliz eu estava. E, apesar da constante mudança do projeto, está sendo muito confortável trabalhar com o Rodrigo e a galera do laboratório.
E lá estava eu hoje, nessa homenagem. Até então Octávio era pra mim um exemplo de profissional. Pra minha surpresa, através daquelas palavras de pesar dos que o homenageavam, Eu descobri que ele é um exemplo de ser humano.

Às vezes as pessoas dizem: “Depois de morto, todo mundo é santo”. Mas a história de Octávio mostrou o tipo de ser humano que ele era. Suas histórias engraçadas, suas expressões, seus palavrões, defeitos e qualidades. Discursos que fizeram até a mim, um completo estranho, encher os olhos de lágrimas.
Octávio largara um emprego em uma multinacional pra seguir um sonho de ser professor, mesmo ganhando um salário 5x menor. Prestou concurso e começou a lecionar no Instituto de química da UFRJ. Ali ele orientou dezenas de alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado... Diz-se que ele obrigava aos alunos a ler algumas grandes obras literárias que nada tinham a ver com química.

Eu admirava demais ao Octávio currículo, até conhecer o Octávio ser humano.

Alguém tão admirado por amigos, parentes, colegas de trabalho é, no mínimo, um exemplo. Octávio é a personificação de tudo que sonho um dia ser. Seu trabalho inspirou mesmo a mim, alguém que ele nunca conheceu. Apesar de eu nunca ter estado em uma mesma sala que ele, não posso deixar de pensar nele como um professor que me ensinou um sonho. E, evoluindo, é esse tipo de pessoa que quero me tornar.

Pra encerrar, deixo a frase de encerramento do discurso de um de seus melhores amigos.

“Pessoas como Octávio tornam totalmente inválida a premissa de que ninguém é insubstituível”

Evoluindo...

Anexo: Currículo do Octávio: [link]http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4781815H5[/link]