É estranho como você se apega a certas coisas e depois de um tempo elas parecem vivas, reais. Assim é com minha banda, Shadows of Temptation (Sombras da tentação), ou SoT, como costumávamos chamar. Talvez pelo fato da banda ter muito de mim, a impressão que tenho é de ter perdido um filho.
Lembro que eu ficava super estressado, porque sempre dois dias antes do show eu tinha que escrever a partitura/tablatura do baixo, das guitarras e do teclado e mandar pra todo mundo. A galera pegava a música e tocávamos no dia seguinte. Mas a interação entre a banda era tão intensa que era como se tocássemos aquela música há anos.
Assim foi quando tocamos Cry for the moon, do Epica. Eu escrevi tudo rapidinho, mudei uma coisa aqui outra ali, mandei pra galera e ensaiamos uma vez pra tocar em um show no outro dia. O meu perfeccionismo dizia que era suicídio, afinal era uma música complexa, cheia de mudanças e um coro que a banda original não faz nos shows, mas eu realmente queria saber como funcionaria isso ao vivo. E foi lindo. Perfeito.
A banda durou pouco tempo, tivemos um monte de altos e baixos. Os baixos aconteciam quando tocávamos em motoclube. Não consigo lembrar de uma apresentação em motoclube que tenha sido boa, até porque o tecladista nunca podia aparecer nessas apresentações.
Bom, direto ao assunto. Não quero ficar falando muito disso. A banda acabou. Ironicamente, O Shadows of Temptation acabou por uma mistura de tentação e egoísmo. E assim eu perdi uma das coisas mais importantes da minha vida. Uma coisa ao qual eu dedicava um amor paterno e este retribuía com um orgulho que só um filho pode dar.
Então em um dos meus momentos de “menina e seu diário”, não lembro como vieram as palavras ,mas escrevi como se tivesse velando alguém. O texto segue abaixo:
“Talvez exista um lugar reservado na minha mente somente para a música. Talvez a música seja a mulher da minha vida. E isso não me parece uma metáfora, é real. Sinto como se pudesse falar com ela. Mas não considero isso estranho. É mais do que isso, é loucura.
Ainda que eu ficasse surdo, poderia vê-la. Como era com Beethoven. E, assim como os monges que pintam areia e deixam o vento soprar, não me interesso em mostrar o que faço ou o que sei.
Música é algo imaculado que existe por si só, só para compor a perfeição e mostrar que pertence ao mundo.
Eu sentia-me assim. Mas agora isso acabou. Eram nesses raros momentos, em que tudo no mundo se esvaía. Qualquer preocupação se dissipava por causa de um simples intervalo de terça maior executados por aquelas doze cordas. Aquela nota grave, ou a agressividade dos bumbos... Eram momentos únicos em que nada mais importava. Eu tive um sonho que da minha alma nasceu, mas pelas sombras da tentação foi engolido.”
Depois disso me envolvi em outros projetos. Aliás, todos se envolveram em projetos separados. Mas pelo menos pra mim, nenhuma outra banda deu essa satisfação, esse prazer de tocar. Nada nunca substituiu.
O SoT foi uma parte importante da minha vida. Me ensinou muita coisa. E sou imensamente feliz por ter tocado com músicos tão competentes como eram os integrantes do Shadows. Alguns, amigos de infância e que levarei por toda a vida, outros, amigos que infelizmente só estarão presentes no meu coração deixando uma enorme saudade.
A banda certamente voltará, com novos integrantes e um monte de coisas novas, mas aquele clima de amizade pode nunca ser o mesmo.